sexta-feira, 9 de maio de 2014

Especial Dia das Mães: Direito ao Aborto


Dia das Mães está chegando e em breve teremos uma enxurrada de textos sacralizando a maternidade e dizendo que esta é a maior alegria que uma mulher pode ter na vida, que você só se realiza como mulher quando se torna mãe e mais um monte de bobagem que reduz a existência das mulheres a algo semelhante a uma incubadora. 

Em primeiro lugar, acho que ter um filho deve ser uma alegria imensa, independente se você o gerou ou não. Gosto muito de criança, acho lindos, foftinhos e me divirto muito brincando com elas. Talvez eu tenha um ano que vem. Talvez eu não tenha nunca e isso não é da conta de ninguém. O que realmente me incomoda é esse bullying da maternidade compulsória, a ideia de que uma mulher só se realiza sendo mãe. Essa pressão social possui um lado extremamente perverso, que é a criminalização da mulher opta interromper uma gestação indesejada. Por isso eu decidi escrever este texto, pra lembrar que a maternidade deve ser um direito, nunca uma imposição da sociedade.

Eddie Vedder, seu lindo!
Sou feminista, logo sou uma militante pro-choice. Isso quer dizer que eu sou a favor da legalização do aborto (feminista pro-life é tipo anarcocapitalista: uma contradição em termos). Legalizar o aborto não quer dizer que as pessoas será obrigadas a abortar, isso quer dizer que a mulher que optar por interromper a gestação poderão fazer isso com assistência médica adequada. Mas antes que você comece a me xingar dizendo que eu não tenho respeito pela vida humana e dizer que as mulheres que abortam são umas egoístas, uma advertências: não adianta falar no caráter sagrado da vida e dizer que se a pessoa não queria ter engravidado ela simplesmente não deveria ter feito sexo/usado camisinha. Primeiro porque religião é uma convicção pessoal e ninguém tem certeza que existe alguma coisa além disso aqui, segundo porque métodos contraceptivos falham. Esse não é um debate sobre religião, nem sobre moralismo. Este é um debate sobre saúde pública, portanto sobre política.

Aliás, eu não boto fé em quem fala que a vida é sagrada e tá de boa com matar animais pra comer,
explorar os recursos naturais do mundo à exaustão pra manter seus hábitos de consumo, passa reto por moradores de rua e acha que bandido bom é bandido morto. Se for pra fazer discurso moralista sobre o quanto a vida é sagrada vamos mostrar o mínimo de coerência, como frisou o George Carlin nesse vídeo.

Em geral as pessoas que são contra a legalização do aborto o fazem defendendo o direito da "criança". Criança, meus amigos, é quando o feto já tem condições de sobreviver fora do útero. Antes disso, no estágio embrionário, o que temos são células que poderão ou não formar uma criança (e taí o número de abortos espontâneos no primeiro trimestre altíssimo para comprovar que nem todo óvulo fecundado é viável). A maioria dos abortos é realizado antes da formação do feto e do sistema nervoso central. Essas coisas que circulam pela Internet com fetos pensantes sendo abortados depois de completamente formados é uma mentira propagada por grupos pro-life.

"Ain, mas é fácil ser a favor do aborto se você já nasceu". Bom, se eu não tivesse nascido eu não seria contra nem a favor de nada, porque eu simplesmente não existiria e eu não sei você, mas eu não me lembro de muita coisa de quando eu estava na barriga da minha mãe, porque, bem, eu ainda não era uma pessoa. E não é fácil ser a favor da legalização do aborto, porque é exaustivo repetir de novo e de novo e de novo e ter argumentos racionais que são rebatidos com ignorância sobre processos biológicos, moralismo, fundamentalismo religioso e outras falácias.
Esses dias eu ouvi dizerem que se a mulher não quer ficar grávida "que não trepe". Bem, esse tipo de argumento é tão medieval que dá medo de pegar peste negra, mas eu fico pensando na cara de pau que algumas pessoas têm de achar que todo mundo deveria agir de acordo com que elas acham certo. Eu por exemplo acho que as pessoas deveriam pensar antes de falar besteira, mas nem por isso eu defendo que o Estado amordace quem não sabe a diferença entre argumentar e relinchar.

Em geral as pessoas que são contra a legalização do aborto aceitam que ele seja realizado em caso de estupro. Isso só mostra que na verdade as pessoas não estão preocupadas com a "vida" e em decidir sobre o corpo das mulheres e sobre sua sexualidade. Foi estuprada? Beleza, a gente deixa. Gozou, então tem que levar adiante uma gestação indesejada que é pra aprender a "ser responsável". Isso só mostra o quanto a nossa sociedade não vê as mulheres como seres autônomos e sim como seres nos quais os corpos são um imenso penico para a cagação de regra coletiva. (Mas há pessoas que são contra o direito ao aborto em qualquer circunstância e há um projeto de lei rolando que quer impor uma violação coletiva às mulheres do Brasil. Leia mais aqui e aqui).

Acordem, o direito ao aborto existe para quem pode pagar por um procedimento feito por um médico, numa clínica, com todas as condições de segurança e limpeza. As mulheres sempre praticaram abortos e continuarão praticando, a diferença é que as mulheres pobres vão fazer isso de forma precária. A cada dois dias morre no Brasil uma mulher em decorrência de abortos realizados em más condições. Ser contra legalizar o aborto não é ser pró-vida, é ser contra essas mulheres. Defender a legalização do aborto é uma questão de humanidade, como mostra a experiência no Uruguai. É também uma questão de respeito pelas mulheres, que devem ser as únicas responsáveis por decidir quando e se tornarão mães.

Dito isto, feliz dia para aquelas que ESCOLHERAM ser mães <3



quinta-feira, 24 de abril de 2014

Enquanto isso, na sala da justiça...

Textinho dessa que vos escreve que saiu esta semana no site da Carta Capital http://www.cartacapital.com.br/sociedade/por-um-feminismo-piadista-4206.html

sábado, 18 de janeiro de 2014

Tamanho G. De gostosa.


No fim do ano passado eu comprei meu primeiro vestido tamanho G. É um vestido vermelho bem mulher fatal, tipo de roupa que vai ficar bonito justamente se a pessoa que o usar tiver curvas. Mas por algum motivo, quem o fabricou decidiu que há um tamanho máximo de corpo pra ter direito a se vestir de mulherão.

Ontem eu vi na home do UOL uma galeria em que se podia votar nos melhores corpos do verão. Todas as mulheres da galeria eram magra ou muito malhadas estilo Panicat, não raro lipadas e/ou siliconadas. Só tinha duas negras, que não eram brasileiras. Na vida real quantas mulheres você conhece que se parecem com essas musas da mídia? Eu conheço pouquíssimas, mas conheço muitas mulheres que são bonitas  e atraentes, em todas as cores e formas e que no entanto não param de se torturar pra se adequar a esses padrões.

Como é que a gente muda isso? Se aceitando. Como essas garotas aqui.

 "Ah, você está falando isso porque você é bonita". Sim, eu gosto muito da minha aparência e estou bem satisfeita com ela. Mas eu acho que fiquei muito mais bonita - e feliz - depois que eu parei de achar que tinha que vestir 38, esticar meu cabelo com produtos tóxicos e melecar minha cara com produto caro do que quando eu tinha 20 anos e tinha corpo de Trip Girl. Eu aprendi a me amar. Não foi a idade, não foi a análise. Foi o FEMINISMO que me deu isso.

Talvez eu tivesse uma crise aos 18 anos se eu soubesse que depois dos 30 eu estaria vestindo G. Mas eu descobri com o feminismo que não é o meu corpo que está errado. É a indústria da moda, é a falta de diversidade de corpos femininos na mídia em geral. Meu G é de gostosa. E eu estou muito feliz com ele, obrigada.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Vamos parar de falar merda? - Mulher não é amiga de mulher

Você já deve ter ouvido a “piada”. Duas mulheres se encontram. “Oi, amiga! Como você está linda! Emagreceu! Nossa, vamos nos ver”. No minuto que elas se separam elas pensam: “odeio essa vaca”. Na cena seguinte dois homens se encontram: E aí, viado? Fala, seu filho da puta! Ambos vão embora pensando: “eu adoro esse cara”. Moral da história: mulheres são falsas, não são amigas umas das outras e a cortesia que trocam serve para mascarar essa competição. Amizade verdadeira existe entre homens, que se insultam gratuitamente como forma de diversão.

Eu não ouvi isso nem uma nem duas vezes. Ao vivo em conversas de amigos de ambos os sexos, compartilhado em redes sociais. Gente, vamos parar de falar merda?
 
Desde que nascemos somos bombardeadas com o mito da competição entre as mulheres. A Rainha Má mandou matar a Branca de Neve porque não poderia existir mulher mais bela. A madrasta e as irmãs da Cinderela não deixaram que ela fosse ao baile porque era mais bonita e poderia monopolizar as atenções do Príncipe. Em linhas gerais, todas essas histórias de princesas repetem o mesmo mantra: as mulheres são inimigas entre si. Um mito que é reatualizado na publicidade, nas músicas dirigidas às invejosas, que falam de recalque.

Eu não sei em que planeta as pessoas que repetem essa história vivem. Mas vamos lá. Pense na sua mãe, na sua irmã, na sua companheira, nas suas primas, amigas, professoras, colegas de trabalho. Você realmente acredita que nenhum possui um laço de amizade verdadeiro? Que estão todas ocupadas arquitetando planos malignos para derrubar umas às outras? Acho que não.

Eu sempre tive mais amigos homens que mulheres. Mas sempre tive laços de amizade profundos com minhas amigas, com mulheres da minha família. Relações que não se perdem com o tempo ou distância. E eu sei que não sou exceção. Há coisas que eu só me sinto à vontade de conversar com outra mulher, um tipo de conforto, aconselhamento e carinho que eu só encontro nas pessoas do mesmo gênero que eu. Há uma intimidade e um prazer de estar entre mulheres que todas nós sabemos do que se trata, ainda mais porque vivemos num mundo carente de espaços femininos exclusivos. Sim, há mulheres que agem dessa forma competitiva. Mas isso não é inato, isso é ensinado e dá trabalho pra se livrar. Mas não é da natureza feminina e não é geral.

Aliás um grande favor que poderíamos fazer a nós mesmos seria abolir as generalizações. Homem é tudo igual. Mulher é tudo igual. Vocês homens isso, vocês mulheres aquilo. Apenas parem! Primeiro porque não é verdade, segundo porque é ridículo. Aliás, a parte da piada que supostamente elogia os homens também é ridícula. É como se os homens fossem eternos garotos de 12 anos que se regozijam em xingar a mãe e chamar o outro de viado. Daí eles se despedem felizes do encontro porque encontraram quem brincasse com eles.

Sério isso, Brasil?

Então, aqui vai um pedido: vamos parar de falar merda? De reproduzir esse tipo de coisa? Nós estamos acostumados a repetir qualquer besteira sem muita reflexão. Aliás, estamos acostumados a viver sem muita reflexão, a fazer as coisas por inércia, porque é como todo mundo faz. O mundo muda quando a gente muda. E isso não está nas grandes rupturas. Isso está no cotidiano, está nas mãos de pessoas comuns, como eu e você.

Pensar não doi. Mudar também não.