terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Publiquei ontem um texto que fala da forma como a violência contra a mulher é banalizada em nossa sociedade. Hoje reproduzo o texto da irmã feminista Maíra Kubik, que narra de forma corajosa e em primeira pessoa a traumática experiência de ser agredida por ser mulher. No texto dela fica muito claro que a violência de gênero não está localizada em uma classe social ou a países subdesenvolvidos, que não é exceção e - o mais terrível - é que pode acontecer a qualquer uma de nós. 


Publicado originalmente em: http://mairakubik.cartacapital.com.br

A primeira vez que eu apanhei

Campanha "O valente não é violento", da ONU Mulheres
Campanha “O valente não é violento”, da ONU Mulheres
Eu nunca tinha apanhado na vida. Ao menos não literalmente. Foram 31 anos inocentes e imunes, interrompidos bruscamente por um tapa na cara.
Aconteceu em setembro, final do verão por aqui. Meus óculos de sol caíram imediatamente no chão e, por alguns segundos, eu perdi a referência de onde estava. Quando voltei a mim, minha primeira reação foi não ter reação. Lembro-me de permanecer atônita. Em seguida, virei a cabeça tentando localizar o sujeito, mas ele já havia sumido na multidão. Eu estava em uma esquina movimentada da cidade e fui pega completamente desprevenida.
Tomei o metrô tentando freneticamente devolver com os dedos as lágrimas que insistiam em cair de dentro dos olhos. Só conseguia pensar que eu era mulher, estava sozinha e vestia uma blusa regata. E que a combinação desses fatores poderia ter motivado aquele homem de vestimentas religiosas tradicionais. Quando abri a porta de casa, chorei até a exaustão.
Poucos dias depois veio a segunda agressão, dessa vez em forma de bofetada no braço. De novo, a sensação de perplexidade absoluta. E outra vez, perdi a pessoa para a multidão. Mas eu tinha então uma certeza: sim, eu havia apanhado porque era mulher. Afinal, aquele senhor que reclamava que as bicicletas estavam muito próximas da faixa de pedestres poderia ter agredido qualquer outro ciclista em volta, homem. E ele escolheu a mim.
Com uma semana de diferença, dois sujeitos absolutamente desconhecidos sentiram que poderiam bater em uma mulher na rua — eu — e assim o fizeram. Para eles, deveria ser algo ”natural”. Para mim, foi uma experiência muito traumática. A sensação de vulnerabilidade era tamanha que eu comecei a achar que eu poderia sofrer qualquer coisa de ruim, como por exemplo ser empurrada para baixo do trem quando ele estivesse chegando na plataforma.
Escrever sobre esses episódios por um bom tempo me pareceu impossível. Indizível. Faço agora por acreditar que compartilhar histórias como essa sempre ajuda a refletir sobre o quanto a violência contra as mulheres é estrutural dentro de nossa sociedade, atravessando todos os locais, situações, classes, idades e etnias.
Assim como aconteceu comigo, poderia acontecer com qualquer uma. E poderia ser bem pior: muitas de nós sofremos cotidianamente violências doméstica e psicológica, assédios moral e sexual, estupros ou somos assassinadas em decorrência do simples fato de sermos mulheres.
Vivemos em uma sociedade em que determinadas marcas e diferenças são utilizadas como pretexto para estabelecer uma hierarquia entre seres humanos. Assim como xs negrxs foram apartados na África do Sul a partir das mais absurdas justificativas, as mulheres são até hoje consideradas inferiores. Não são situações iguais, obviamente, mas a lógica implicada é a mesma. Em ambas, há um processo onde a desigualdade construída a partir de condições sociais, culturais e históricas adquire uma vestimenta de “natural”, como se sempre houvesse sido daquela maneira. O que está oculto, porém, é o verdadeiro sentido dessas relações de poder: o grupo que está em cima se apropria daquele que está embaixo.
Dentro dessa perspectiva, as mulheres são tomadas como um todo. Da mesma maneira como xs escravxs, elas não cedem apenas a sua força de trabalho, mas sim o seu indivíduo inteiro. Ao mesmo tempo e de maneira contínua estão presas à reprodução, à criação dxd filhxs, ao cuidado com xs idosxs e com o lar, à satisfação sexual do Outro, a fornecer-lhe conforto, apoio e equilíbrio psíquico e, finalmente, à ocupar posições menos importantes ou bem remuneradas no mercado de  trabalho.
As mulheres formam uma classe, apropriada privada — via casamento e/ou família — e coletivamente — por meio das igrejas, da vida comunitária, da família ampliada para além da célula inicial etc. E dentro desse sistema onde não detêm a propriedade sobre seu corpo e que são vistas de maneira indistinta como um “tipo” de gente ou coisa inferior, é “natural” que aqueles que as possuem sintam-se no direito de bater não apenas em suas mulheres como em quaisquer mulheres. Inclusive para lembrar-lhes, com alguma frequência, qual é o seu lugar dentro da hierarquia.
Como sairmos, então, dessa situação?
Bom, eu quero fazer um curso de defesa pessoal para tentar ter outras reações — e mais rápidas — do que simplesmente ficar chocada se algo assim acontecer de novo. Muitos grupos feministas e de mulheres oferecem oficinas desse tipo gratuitamente — mais um indício, aliás, do quanto nos sentimos agredidas.
A denúncia é também uma arma poderosíssima. No caso da violência doméstica, a Lei Maria da Penha é uma grande aliada para o agressor ser responsabilizado e punido. E campanhas de conscientização são sempre bem-vindas.
Mas, para mim, essa violência estrutural só vai acabar de fato quando não tivermos mais divisões em classes. Basta olharmos para países com índices muito melhores que os nossos em termos de distribuição de renda e educação e percebermos que, infelizmente, a violência contra a mulher, motivada por ela ser mulher, persiste.
Ou, em um resumo bem simplista, eu apanhei em Paris.

Em tempo: hoje, Dia Internacional dos Direitos Humanos e último dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, a ONU Mulheres promove uma blogagem coletiva da recém-lançada campanha O VALENTE NÃO É VIOLENTO. Este blog junta-se aos esforços para dizer: basta de violência contra a mulher!  Mais informações: https://www.facebook.com/ovalentenaoeviolento e http://www.ovalentenaoeviolento.org.br/

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Atitudes violentas contra mulheres são vistas como normais, mostra estudo

SÃO PAULO – Pesquisa do Instituto Avon e do Datapopular divulgada nesta sexta-feira revela que muitas atitudes violentas contra as mulheres são vistas pelo homem como naturais em um relacionamento.
De acordo com o levantamento, ao serem questionados diretamente se tiveram atitude violenta contra a parceira ou ex-parceira, apenas 16% dos homens admitiram que sim, o que equivale a 8,8 milhões de pessoas. Mas quando os entrevistadores listaram atitudes violentas contra a mulher, como xingar, empurrar, humilhar em público e ameaçar com palavras, 56% dos homens admitiram que já cometeram alguma dessas posturas.
- Para se ter uma ideia, apenas 35% dos homens acham que a mulher deve procurar a delegacia da mulher no caso de ele a impedir de sair de casa – disse Renato Meirelles, presidente do Datapopular.
A pesquisa revelou também que a maioria das atitudes agressivas foi cometida mais de uma vez e constatou que 41% dos brasileiros, entre homens e mulheres, conhecem ao menos um homem que foi violento com sua parceira, o que equivale a 52 milhões de pessoas.
O estudo mostra que muitas vezes o homem responsabiliza a mulher pela violência. E revelou que 29% deles disseram que “o homem só bate porque a mulher provoca”. E 23% afirmaram que “tem mulher que só para de falar se levar um tapa”.
De acordo com o levantamento, 12% dos homens acreditam que “se a mulher trai o marido ele tem razão de bater nela”.
O estudo mostrou que 67% dos autores de violência viram os pais discutirem na infância, enquanto entre os não agressores o índice é de 47%. Além disso, entre os agressores, 21% presenciaram uma agressão física. Este índice entre os não agressores foi de 9%.
Questionados sobre as razões de a violência surgir no relacionamento, os homens listaram ciúme, falta de respeito, de diálogo e de amor.
A pesquisa mostrou que 53% dos homens atribuem à mulher a responsabilidade pelo sucesso do casamento; 69% deles não concordam que a mulher saia com amigos sem sua companhia e 46% acham que é inaceitável que ela use roupas justas e decotadas. A mulher é vista como responsável pelo trabalho doméstico: 89% dos entrevistados disseram que é inaceitável a companheira não manter a casa em ordem.
Sobre a Lei Maria da Penha, 35% dos homens disseram que desconhecem parcial ou total a norma. E 37% afirmam que por causa da lei as mulheres os desrespeitam mais.
- É lamentável ainda vivermos numa sociedade machista, sexista e patriarcal em pleno século 21 – disse a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Eeonora Menicucci.
A pesquisa foi feita entre agosto e setembro de 2013, em duas etapas. Na primeira foram entrevistadas 955 homens e 505 mulheres maiores de 16 anos de idade, em 50 cidades de todo país. Numa segunda etapa, foram ouvidos 13 especialistas e seis homens autores de violência.

Fonte: O Globo 

Publicado originalmente em http://oglobo.globo.com/pais/atitudes-violentas-contra-mulheres-sao-vistas-como-normais-mostra-estudo-10920770#ixzz2mzcJHUU0

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Ufa, era trollagem!

Então o lançamento do Tubby era um hoax? Ufa, que bom saber. O aplicativo, anunciado como uma vingança ao bobinho Lulu, prometia revelar aos seus usuários detalhes íntimos sobre a conduta sexual das mulheres: se deu de primeira, se curte tapas, sexo anal ou se “engole tudo”. Os dois aplicativos levantaram intensos debates nas redes sociais e rodas de bar sobre privacidade, objetificação e machismo. Agora os criadores do app que nunca existiu dizem que se tratou de uma brincadeira, um protesto contra a objetificação e exposição da intimidade de outras pessoas. Ah, cês juram? 

Bom, primeiro deixa eu ir lá fora esmurrar meu saco de areia durante 15 minutos até passar a minha raiva porque era só o que me faltava ozômi querendo dar lição sobre objetificação e exposição da intimidade e tentar colocar tudo no mesmo balaio de gato, porque até onde eu chequei as vítimas dos revenge porn que tiveram suas vidas arruinadas eram todas mulheres. Que bom que não teremos mais aplicativo que de cara condenava as mulheres que se recusaram a participar acusando-as de ter medo do que haviam feito “no verão passado”! Agora voltemos à programação normal de ser objetificadas em tudo e o tempo todo, só que sem aplicativo.

Como se as mulheres nunca tivessem sido avaliadas de acordo com a sua conduta sexual, com o número de parceiros ou com as coisas que gosta de fazer na cama, como se não fossem divididas entre mulher pra namorar/casar e vadias/putas/pra uma noite só. Boqueteira, engole tudo, dá a bunda, deu de primeira, safada, todo mundo já pegou, rodada, vadia, piranha, depois reclama que é estuprada. Encalhada, mal-amada, mal-comida, isso é falta de pica, deve estar de TMP, deve estar menstruada, deveria ser estuprada. E aí gostosa! É gostosa, mas fica se exibindo, deve ser puta, não se vestiria assim se não quisesse chamar a atenção dos homens, depois reclama se é estuprada. É gata e AINDA é inteligente. Uma mulher daquela não precisa nem saber escrever. É inteligente, mas devia se arrumar um pouco, né? Mulher sem vaidade não dá! Sai daqui sua gorda nojenta. Depilação é questão de higiene. Deixar o cabelo ficar branco é ser relaxada. Mulher de salto é outra coisa. É fútil, só pensa em dieta, academia e shopping. Mulheres, coloquem uma coisa na cabeça de vocês, nós homens ________________________________ (insira aqui qualquer cagação de regra sobre como você deve conduzir a sua vida). Já deu pra todo mundo, não dá pra namorar uma mulher dessas, é pedir pra ser corno. É muito puritana, depois reclama que é traída. Mulher só pensa em casamento, é por isso que os caras fogem. Mulher tem que ser delicada, mulher tem que ser sexy sem ser vulgar. O homem é a cabeça, mas a mulher é o pescoço. Mulher não serve pra ser chefe. Um monte de mulher trabalhando junta, tinha que dar briga. Deu o golpe da barriga. Deu o golpe do baú. Pra que teve filho se vai trabalhar o dia todo? Tem filho depois fica cobrando pensão. Não são direitos iguais? Sai dando por aí e depois quer abortar. Sai dando por aí e depois joga criança no lixo. Sai dando por aí e depois quer que o governo sustente. Na hora de fazer não gritou. Não se dá o respeito.

Assim como uma garota ao fim de um pornô gang bang eu olho para os criadores do app fake, exausta, fodida e com a cara esporrada e digo: obrigada, por esta valiosa lição sobre objetificação, por colocarem numa linguagem que nós mulheres somos capazes de entender. Era trollagem, ufa!
Agora as mulheres podem voltar à rotina normal de julgamentos que só partem da sociedade e da cultura machista.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Detesto fim de ano

Detesto luzes de natal, trem e metrô cheio de gente carregando sacola, detesto as ruas lotadas de gente fazendo compras como se a vida dependesse disso, detesto ter que fazer compras, porque as outras pessoas não são anticapitalistas e ficam magoadas se não recebem presentes.

Detesto luzinhas natalina, musiquinhas natalina, Papai Noel, Mamãe Noel, Santa Claus, o polo norte e os duendes. Detesto mensagens sobre recuperar o "verdadeiro sentido do Natal", cartões de natal, missa do galo, o Papa, o Vaticano, a Igreja Católica apostólica romana e o cristianismo.

Detesto apresentação de coral, confraternização, festa da firma, amigo-secreto, ter que decidir com três meses de antecedência saber onde vou passar o ano novo, detesto ter que fazer alguma coisa no ano novo. Detesto sidra, a palavra reveillon, comida de ceia, ter que visitar várias pessoas e ser obrigada a comer as coisas da ceia - se não comer é desfeita. Detesto acabar comendo até passar mal.

Detesto ter que me arrumar toda pra dar rolê na sala, acho desejar feliz natal uma formalidade sem sentido e desnecessária, detesto as redes sociais cheias de mensagens edificantes e/ou piadinhas de gente metida a esperta e principalmente, detesto quem usa rede social pra falar de Jesus. Detesto promessas de ano novo, detesto gente falando que o ano passou rápido, detesto gente falando que esse ano não acaba porque a merda do ano dura exatamente o tempo de um ano.

Detesto as férias escolares porque todos os lugares ficam cheios de crianças insuportáveis acompanhadas de pais insuportáveis. Há crianças legais, filhas de pessoas legais, mas elas são poucas, a maior parte das crianças é tão detestável quanto os adultos com o agravante que não se pode bater nelas.

Detesto fim de ano. O cansaço físico e mental, as pessoas na academia fazendo “projeto verão”, os alunos chorando nota e a sensação de que neste período o mundo consegue ficar ainda mais estúpido, hipócrita, consumista e vazio.

A única coisa boa do fim do ano é que eu entro de férias daqui a duas semanas.