domingo, 3 de novembro de 2013

Carta a uma jovem feminista

Querida amiga,

Estou te escrevendo esta carta porque já estive no seu lugar e eu sei que este mundo deve estar de deixando maluca. Por isso estou aqui para te dar a mão e te dizer que você pode contar comigo, como uma irmã velha. Como uma irmã feminista.

Como você já deve ter percebido, este mundo não foi feito para nós. Assim como eu, você deve ter sido ensinada desde pequena que sua função primordial nesta vida é ser bonita e agradar. O papel que te ensinaram a desempenhar foi ser doce e graciosa. Pra quando crescer você poder arranjar um bom emprego e um bom marido. E ter filhos, porque afinal de contas você é uma mulher, é óbvio que você quer ser mãe.

Mas de alguma forma, algo deu errado com você. Você gostava de brincar de Barbie, mas também de subir em árvore, de carrinhos de controle remoto, de skate e outras coisas “de menino”. Você não engolia desaforos e brigava na escola e teve que ouvir muitas vezes que se isso já é feio pra um homem, é muito pior para uma mulher.

Então você se tornou mocinha e as coisas não pararam de piorar. Você achou que não havia nada de errado em se declarar pro menino que gostava e por conta disso virou objeto de chacota. Você foi a primeira de suas amigas a transar e quando o namoro acabou e seu coração ficou partido teve que ouvir que a culpa é sua, porque se entregou muito facilmente, os homens são assim mesmo, eles vão embora depois de conseguir o que querem. Mas você também queria, na verdade a ideia foi sua. Então você virou a vadia do colégio, a menina que não era mais virgem, que não era pra namorar.

Você chorou sozinha, porque seus amigos diziam que a culpa era sua. Você nem podia contar pra sua mãe, porque fazer sexo na adolescência é errado e você tinha medo do que poderia acontecer se ela descobrisse. Você sabia que não tinha feito nada de errado. Você era boa aluna e tinha bom caráter. Você fez tudo certinho, se informou do necessário pra evitar doenças e uma gestação indesejada. Mas nada disso importava porque você simplesmente não deveria estar fazendo sexo. Você deveria “se valorizar”, embora nunca tenha entendido realmente o que havia de errado em expressar seu afeto e seu desejo.

O que havia de errado, minha querida, era ser mulher. Então você lutou com todas as forças para não ser e se esforçou para renegar tudo aquilo que era associado com o feminino. Começou a falar grosso, chamar palavrão, fumar e beber em quantidades cavalares. Porque você não era igual às outras. Você não era frágil, você não era delicada, você não era fútil. Você tentou agir como um homem porque percebeu que as mulheres eram sempre ridicularizadas, tratadas como seres inferiores, infantis, emotivos. E você não queria ser nada disso. Você começou a agir como homem na esperança que eles te tratassem como um igual. E funcionou por um tempo, até que você percebeu que ao menor deslize você teria que ouvir que "tinha que ser mulher", que era coisa"de menininha".

Um dia você se cansou de tudo isso e foi nesse dia que as coisas começaram a mudar. Eu não sei como você chegou ao feminismo e a esse texto, mas eu imagino, a sua alegria ao perceber que tudo isso não acontece por acaso. Que o problema não é você ser mulher, mas toda um sistema cultural criado para nos aprisionar, para sequestrar nossa sexualidade, para nos fazer sentir inseguras com nossos corpos, para achar que nós estamos em perpétua competição umas com as outras. Eu entendo que se ao mesmo tempo você está encantada com tudo isso, há também um sentimento de revolta crescente, uma vontade de tocar fogo no mundo. A verdade te libertará, mas primeiro era vai te enfurecer, já disse a feminista Gloria Steinem.

Então, se eu posso te dar um conselho eu te recomendaria duas coisas: estar atenta e forte, como diz aquela música. Estude, porque nesse mundo em que não somos levadas a sério a gente ter muita segurança na hora de falar. Porque não tenha dúvidas: vão tentar desqualificar seus argumentos, vão tentar te irritar com piadas estúpidas. E você tem que ser mais inteligente que eles, para rebater as provocações mostrando o quanto elas são ridículas. Porque dizem que feministas não têm senso de humor e dizem muitas coisas sobre o feminismo, mas eu vou te contar algo sobre feminismo que você não vai ler na coluna de nenhum colunista de jornal reacionário: o feminismo é libertador. O feminismo vai te ajudar a ver que você tem irmãs com quem pode contar, que nós não estamos competindo umas com as outras, que nós podemos ser quem quisermos.

Você é forte, você é corajosa e eu estou aqui pra você.
  
Com amor,

FM

4 comentários:

  1. Oi, Fhoutine, tudo bem?
    Sou amiga do Elvis Rocha, e ele me indicou seu blog. Tô lendo loucamente, cheguei a esse texto e queria te agradecer. Sou uma jovem feminista, uma machista em desconstrução. Estou aprendendo um pouquinho a cada dia, ainda de um jeito inseguro, mas cada vez me sentindo melhor e mais confiante. Tudo graças ao feminismo. E me identifiquei muito com sua carta a mulheres como eu. Obrigada por estar aí pra mim. Eu também estou aqui pra você.
    Beijos,
    Camila

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