terça-feira, 15 de maio de 2012

Meu cabelo também é política


Eu estava na porta da sala conversando com meus alunos e alguém elogiou meu cabelo e os demais no grupo concordaram, disseram que o meu cabelo crespo, cortado num estilo quase black power não só é "muito estiloso", mas é "a minha marca". Um rapaz que estava no grupo me perguntou se eu nunca tinha pensado em alisar. Para a surpresa deles respondi que não só pensei, como passei mais de 10 anos alisando o cabelo com tudo o que havia disponível na indústria dos cosméticos: relaxamentos à base de amônia, escovas progressivas à base dde formol, secador, chapinha e mais uma infinidade de produtos que tenho medo até de lembrar. Manja henê? Aquela bisnaga preta usada para alisar cabelos afro? Já usei também.Isso me fez pensar o longo caminho que levei para aceitar o meu cabelo natural e como, para minha surpresa, passei a gostar dele como nunca havia gostado antes.

 Sou fruto de uma dessas misturas multiétnicas tão comuns no Brasil: mãe "branca" (ascedência portuguesa e espanhola) e pai "preto", filho de libanês com uma cabocla do interior do Amapá. Sou a mais velha de três filhos, um de cada cor: tenho a pele mais escura, enquanto meus irmãos estão mais pra brancos, mesmo assim com diferença de tonalidades. Minha irmã, branquinha como leite, saiu com os cabelos cacheados, meu irmão de cabelo liso como o da mamãe e eu, a pretinha da casa, com um cabelo que não se definia: grosso e ondulado, não fazia cachos nem alisava. Bom, pelo menos era isso que eu pensava antes de aprender a cuidar dele.

Desde pequena eu aceitei que meu cabelo era ruim. Nunca tinha parado para pensar no racismo embutido nessa expressão. Comecei a alisar pensando que era a única maneira de deixa-lo bonito, já que não possuía os belos cachos da minha irmã. Porque é isso que acontece: não somos ensinados a lidar com o que temos, mas com o que gostaríamos de ter. Então não é de se espantar frases como "ser mulher é passar a vida lutando contra o próprio cabelo". Nós queremos o cabelo da atriz global, da capa da revista, da amiga, da mãe, da irmã, da vizinha. E fazemos de tudo para tentar chegar naquele modelo que algumas privilegiadas têm de nascença. Pra mim o cabelo perfeito nessa época era o oriental: negro, liso, brilhante, cheio. Hoje eu continuo achando este cabelo muito bonito, mas aprendi a ver a beleza em outros cabelos e no meu cabelo.

Demorou muito tempo para eu perceber que a ditadura do cabelo liso faz parte de um sistema que institui uma verdade única e uma beleza única. E que nesse sistema - que inclui cinema, televisão, moda e publicidade - as mulheres negras consideradas bonitas possuem sempre alguma característica mais comum em pessoas brancas: narizes pequenos e afilados, olhos claros, cabelos lisos, muitas vezes clareados. Tyra Banks, Naomi Campbell, Rihanna, Beyoncé. No Brasil é muito comum que as poucas atrizes negras de destaque nas novelas apareçam de cabelo alisado, embora essas mulheres (Taís Araújo, Camila Pitanga, Sheron Menezes) optem por usar seus cabelos crespos fora das telas.

A mídia brasileira já dá a impressão de que vivemos na Suécia. Por mais bonitas que sejam Gisele Bundchen ou Grazi Massafera, não dá pra dizer que elas sejam típicas mulheres brasileira, com seus cabelos lisos, loiros, suas pernas longas e  bundinhas minúsculas. Agora imagine, querid@ leitor@, se você é uma menina morena/negra e as poucas pessoas na mídia que se parecem minimamente com você todas ostentam cabelos lisos e esvoaçantes que você não tem. Tudo bem, elas também não, mas você como adolescente, bombardeada pelo discurso de que "o importante é se sentir bem" ou "pra ser bonita tem que sofrer" vai fazer o que? Alisar o cabelo até o fim dos seus dias. Não é que eu não me achasse bonita como era antes. Mas porque eu tinha que encher minha cabeça de química e gastar rios de dinheiro só pra corresponder ao padrão do cabelo "mais bonito"? Por que eu não poderia ser feliz e me achar bonita de outro jeito? Foi só depois que percebi isso que decidi "voltar às raízes".

Felizmente, após os 30 anos eu decidi que já era hora de passar a vida enchendo a minha cabeça de produtos químicos cujos efeitos a longo prazo não são muito claros. Mas admito, foi uma luta. Porque o olhar para a beleza é algo que a gente treina e depois de anos me achando bonita de cabelo alisado eu passei meses para "me conformar" com a minha nova imagem. Honestamente, não pensei que fosse me achar tão bonita quanto de cabelo liso. Pra piorar, as pessoas ao redor não estão dispostas a ajudar. Quando comecei a deixar minha raiz crescer uma meia dúzia de pessoas me deu força (o apoio do meu marido foi fundamental), mas era comum que amigos me perguntarem o que estava acontecendo com meu cabelo e que estranhos me perguntassem por que eu não fazia progressiva. Mais de uma vez pensei em desistir.

Até que um belo conheci um cabeleireiro maravilhoso que me mostrou que eu tinha um cabelo muito bonito, só precisava aprender a cuidar dele. Descobri que tudo o que eu sabia desde a infância sobre pentear, lavar e cortar o cabelo estava errado, que o cabelo crespo requer uma técnica completamente diferente (outra hora eu conto uns desses segredos). Não vou esquecer nunca das palavras dele "Você não conhece o seu cabelo, o seu cabelo é muito bonito". Eu nunca achei que meu cabelo natural pudesse ser bonito. Mas para a minha surpresa, com um corte, produtos e cuidados adequados hoje eu tenho um cabelo sem química que vive recebendo elogios. Todo mundo comenta que ele tem personalidade, que é estiloso. Outro dia uma menina que treina boxe comigo me disse "Seu cabelo é lindo". E sabem, eu fiquei feliz por concordar.

2 comentários:

  1. Menina, estou no maior dilema da minha vida... tenho cabelo frisado, mas não consigo gostar dele assim... qero sempre liso, mas minha chapinha quebrou, estou tentando nao comprar outra e assumir meu cabelo como ele é... mas esta dificil.... lindo blog... vou seguir

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  2. Te admiro muito :) tenho cabelo cacheado,mas é aquele que se faz chapinha parece que é liso de verdade,mas sabe que cansa né 1 hora pra fazer aquele ritual de escova e chapinha e ás vezes me deprimo,tenho 16 anos e a 3 anos faço chapinha,eu quero um dia criar coragem pra deixar de fazer tudo isso ,mas por enquanto não,você é uma grande inspiração.Parabéns de verdade

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