terça-feira, 8 de maio de 2012

Crítica: Melancolia - O fim do mundo como um grande alívio


Eu tenho uma relação de amor e ódio com Lars Von Trier. Amor, porque acho que ele é um diretor talentoso que faz belos filmes sobre como o ser humano pode ser vil e cruel (vide Dogville e Dançando no Escuro). Gosto dos filmes desses filmes serem centrados em personagens femininas que estão em busca de realizar algo que não é o sonho do amor romântico. Elas estão tentanto sobreviver e fazer as coisas de outro jeito (outro filme que eu gosto dele é Os Idiotas). Como diria o Bukowski, a vida é uma desgraça, a diferença é o modo como você se arrasta em meio à merda. E é aí que começa o meu problema com o Von Trier: pra sobreviver em meio ao caos, as personagens algumas vezes recaem em estereótipos machistas: a mulher que sofre na mão da cidade inteira e pra se vingar chama sua família de gangsters (todos homens) para lhe socorrer ou a mulher que está disposta a sacrificar a própria vida pelo filho (realizando a sua função de estar no mundo na maternidade).

Enfim, é um diretor que me agrada muito em certos aspectos e me deixa de orelha em pé em outros. Se o filme anterior dele, Anticristo, está no topo da minha lista como "o filme mais misógino de todos os tempos", em Melancolia temos um filme arrebatador sobre depressão e essa sensação de mal-estar no mundo.

O filme se passa durante um casamento realizado numa mansão às vésperas de um planeta chamado Melancolia se colidir com a terra. Alguns astrônomos dizem que o temor é infundado e que o fim do mundo não irá acontecer, mas outros advertem à população para se preparar para o pior. Nesse clima tenso temos uma história dividida em duas partes, cada uma contada pela perspectiva de uma irmã. A primeira é centrada em Justine, a noiva, interpretada por Kirsten Dunst. A segunda, por sua irmã mais velha, Claire.

Não vou mentir pra vocês. A primeira parte do filme é muito, muito chata. Inspirada lá nos tempos do Dogma 95, temos aquela câmera tremida que não pára em lugar nenhum, diálogos sem sentido, como se alguém chegasse filmando o meio de uma conversa com uma câmera de mão numa festa e pegasse um momento bem tenso. A ideia é essa mesma. Impossível não lembrar de Festa de Família, de Thomas Vinterberg, aliás. Mas há um sentido, claro, para que essa parte do filme seja assim. Repare na noiva. Como ela está feliz no carro, mesmo atrasa para a festa. Repare no seu vestido, no seu cabelo. Agora veja como ela vai se decompondo visualmente e psiquicamente ao longo dessa primeira parte. Ela é linda, rica, ela tem um noivo lindo e apaixonado. Ela é boa no seu emprego. E ainda assim ela tem vontade de morrer. Se você já passou por uma depressão séria em algum período da sua vida não há como não se reconhecer. O tempo dessa parte do filme passa muito lentamente porque é assim que é percebido por uma pessoa depressiva. Algo que não acaba nunca. As pessoas ao redor, as risadas, a vida. Tudo deveria estar bem, mas você só tem vontade de desaparecer. Ou fazer algo que estrague tudo para que você possa sentir que ainda está no comando, que ainda está vivo.




O casamento é a última tentativa de Justine se adaptar a uma vida normal. Nós vemos na cara dela: eu posso fazer isso, posso ser uma esposa, posso festejar com minha família disfuncional, posso ter um emprego que odeio e conviver com pessoas que desprezo. Ninguém percebe o seu desespero. Ninguém percebe que esta é a sua última tentativa. Por isso o fim do mundo pode ser um grande alívio. Não apenas o fim da vida: o fim de tudo. É disso que se trata.

A segunda parte, que flui muito melhor, é centrada na irmã mais velha, Claire, interpretada por Charlotte Gainsbourg - que pra mim faz sempre papel dela mesma e faz sempre a mesma cara, mas por algum motivo há quem ache ela uma  boa atriz. Essa parte do filme propositalmente é mais ágil e tem mais sentido. Aqui vemos a vida de uma pessoa prática, que tem uma boa vida. Uma mãe que parece estar realizada na maternidade, que tem um casamento estável - o fato de ser milionária deve ajudar bastante também. Claire tem tudo a perder, ao passo que Justine, não. Então ela tenta se confortar com a fé cega de seu marido na ciência de que a passagem do planeta será apenas próxima da terra, não haverá colisão.

Pra mim essa é a grande sacada do VT nessa parte do filme: a fé cega não é em Deus, é na ciência. Sobre isso o marido, interpretado por Kiefer Sutterland (WTF?!) diz a melhor frase do filme: "Melancolia passará sobre nós e não causará nenhum impacto". No fundo, essa é a esperança de todos nós.

Um comentário:

  1. Gostei muito da sua crítica...assisti ontem e estou um tanto impactada até agora.Melancólica!Acho que o Lars passou bem este sentimento e foi feliz ao nomear o seu planeta .Denise Bondan

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