domingo, 16 de setembro de 2012

Vicky Cristina Barcelona e as (im)possibilidades do amor




Vicky não tinha vocação para o sofrimento e não tinha a menor disposição para a guerra. Em uma relação o que apreciava era a estabilidade e o compromisso. Cristina aceitava sofrimento como parte do amor. Ela não tinha muita ideia do que esperava do amor, mas sabia ao menos o que não queria. E Maria Elena acreditava que um amor só poderia ser romântico se fosse incompleto.

Eu poderia citar mil razões pelas quais esse é um dos meus filmes favoritos do Woody Allen, mas vou ficar em uma só. Vicky Cristina Barcelona é um filme de amor. De como mulheres de diferentes idades, personalidades e formações lidam com o amor, o desejo e as surpresas que a vida coloca em nosso caminho.

Vicky lida com a renúncia de uma paixão arrebatadora em nome da estabilidade do casamento e é confrontada pela mulher mais velha que gostaria de ter vivido uma grande paixão, apesar de amar imensamente seu marido. Ela o ama, mas não é apaixonada por ele há anos. É isso que é ser casada em boa medida. É lidar com algo que os filmes românticos não contam: que casamento é muito mais sobre companheirismo, afinidade, família e um projeto de vida de vida em comum que paixão. Independente disso, a atração por outras pessoas e as paixões continuam. O amor monogâmico não existe, é uma ficção que torna a vida mais fácil. É a exceção, não a regra. Mas amar em liberdade supõe um aprendizado contínuo e conflito. É mais fácil se resignar na ficção.

Então temos Cristina, que se vê como uma livre-pensadora, uma mulher passional, intensa. Cristina não tem medo de se jogar nos braços do desconhecido. Não arreda o pé nem quando surge Maria Elena, uma força da natureza. Juan Antonio, Cristina e Maria Elena se tornam amantes e vivem por um curto período de tempo um romance de experimentações de liberdade, até que Cristina se dá conta que não é aquilo que ela procura. A minha teoria é que ela não aguentou tanta liberdade.

Há algum tempo eu tenho a plena convicção de que amor é possível em liberdade.  Mas como ser livre em um mundo que nos ensinou a amar a prisão? Como reagir à indústria cultural que nos doutrinou desde muito cedo e continua a nos educar para achar que amor, ciúme, e propriedade são a mesma coisa? Como ser feliz quando se ama alguém que quer o Estado? Essa é a tarefa mais difícil da vida anarquista: lidar com o Estado que há dentro dos outros, com o Estado que há dentro de si. É isso que Cristina não consegue fazer.
Maria Elena percebe que é mais feliz quando o laço pesado do amor romântico deixa de ser responsabilidade de apenas duas pessoas. Ela sabia que Juan Antonio e ela se amavam, mas que faltava algo. Faltava outra pessoa. Mais do que isso. Faltava liberdade. Porque manter um casamento não é algo fácil, acho que tem que ser muito ingênuo pra acreditar que não. O problema é que na maioria das vezes nos resignamos na infelicidade compartilhada ao invés de reinventar modos de ser feliz.

Sem a liberdade o fim de todos os amores possíveis que aparecem na tela são pessimistas. Juan Antonio e Maria Elena não conseguem viver juntos. Vicky e sua amiga mais velha se resignam na ideia de que um casamento exige a renúncia da paixão. E Cristina seja buscando algo que ela nem sabe o que é, que ela nem sabe se existe.

domingo, 27 de maio de 2012

Marcha das Vadias 2012: a nossa luta é todo dia

Segundo os cálculos da Polícia Militar de São Paulo, devíamos ser 700 pessoas carregando cartazes, cantando e usando nossos corpos para colorir o percurso que foi da Praça do Ciclista (Avenida Paulista), desceu a rua Augusta e foi até a Praça da República para protestar contra o machismo e a violência contra a mulher.
Não importa o número. Éramos muit@s. Éramos a legião. Mulheres que não toleram mais as agressões a que estamos expostas diariamente: das ofensas dirigidas à nossa sexualidade, cantadas e encoxadas no metrô à culpabilização das vítimas pela violência que sofrem. Ela não deveria estar andando sozinha, ela não deveria andar vestida daquele jeito, ela não deveria ter bebido tanto, ela estava pedindo. Junto a nós muitos homens que se recusam a fazer parte dessa cultura e que entendem que o machismo é algo que prejudica tanto aos homens quanto a nós. Mães e pais com suas crianças a favor de uma educação que não crie nem machões nem submissas.

Dia 26 de maio de 2012. Era uma linda tarde de sol quando unid@s pelo lema "Se ser livre é ser vadia, então somos todas vadias" uma multidão fechou parte da Avenida Paulista para gritar que não aceitaremos calad@s a violência a qual somos submetidas diariamente. As atividades começaram por volta das 14h30, com o megafone aberto para depoimentos emocionados de sobreviventes da violência doméstica, abuso sexual e estupro.

O grupo de mulheres que organiza a Marcha das Vadias em Campinas (SP) fez um jogral que lembrava os números da violência contra a mulher no Brasil, das anônimas às Eloás, Elizas, Mércias e Marias da Penha. Usando o "microfone humano" - tática usada pelos manifestantes do Occupy em diversas partes do mundo - íamos repetindo esses dados e frases que ao final deixaram muitas com lágrimas nos olhos. Eu fui uma delas.

Saímos em direção à rua Augusta. Que alegria foi pra mim encontrar várias alunas no protesto, que foi muito bonito e pacífico. Por isso mesmo causou-me estranhamento (e medo) ao ver nosso cortejo escoltado por batedores da PM. Protestar pode, desde que não atrapalhe o tráfego. Felizmente, não tivemos problemas com a lei. Por onde passamos vimos rostos que ora estavam perplexos - principalmente diante das várias mulheres sem camisa - ora sorriam demonstrado apoio.


Dos ônibus e carros muitas mulheres acenavam em sinal de aprovação. De um dos prédios da Augusta, um homem balançava a bandeira do Corínthians ao som da nossa batucada. Em um dos melhores momentos cantamos diante de uma igreja "Sexo! Aborto! Direito ao nosso corpo!" e "Mantenha seu rosário bem longe dos meus ovários" contra a intromissão do Papa nas políticas relativas ao aborto e casamento gay. Vale lembrar que a marcha tem o apoio e participação das Católicas Pelo Direito de Decidir, grupo que cujo nome já diz, é composto por mulheres católicas favoráveis a descriminalização do aborto. Isso me remete a outro grito que marcou o protesto "Que contradição! Aborto é crime, homofobia não". O que nos lembra que nossa luta tem muito pela frente.


Chegamos na Praça da República às 17h ainda cantando "Vem pra rua, vem contra o machismo". Como eu, muit@s presentes estavam cansados, com fome e com sede, mas não fomos embora antes de fazer um minuto de silêncio por tod@s aquelas que tiveram suas vozes silenciadas pelo machismo e que são a razão de termos, em 15 cidades brasileiras, ter usado o nosso tempo livre para lembra-las e nos unir até que tod@s sejamos livres.

Machistas, fascistas: não passarão!


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Mês das noivas, mês das mães: ser mulher é só isso?

Maio é o "Mês da Mulher" do Discovery Home and Heath. Podem me chamar de paranoica, mas não me parece coincidência que o mesmo mês dedicado às noivas, seja também o mês em que se comemora do dia das mães. No canal mencionado, isso significa uma infinidade de programas dedicados a esses dois supostos pontos altos da identidade feminina: o dia em que você se casa e o dia em que você se torna mãe. O que me leva a crer que para o Discovery e para muita gente não importa o que você faça como profissional e como ser humano: você só será uma mulher completa e realizada quando tiver um marido e um filho.

Na semana passada eu fui ao casamento de uma amiga de longa data. Como nosso círculo social é composto de pessoas de mais de 30 anos, nossos encontros mais frequentes acabam se dando justamente nesses eventos. Mas de um tempo pra cá nosso meio tem passado por um verdadeiro "baby boom": além de alguns casais com seus lindos bebezinhos, havia uma amiga grávida, notícias sobre duas outras que estão gestantes e uma outra que está tentando engravidar. Nada contra. Mesmo. Eu mesma me casei vestida de noiva e entrei no salão (casei apenas no civil) de braço dado com o meu pai e gostei muito de marcar o início da minha vida em comum com a pessoa que amo com uma grande festa reunindo as pessoas que são importantes nas nossas vidas. Acho que ter filho deve ser uma das coisas mais bonitas da vida se você está realmente afim e fico muito feliz por amigos/amigas quando se casam ou se tornam mães/pais.

O que me preocupa é ver que para muitas mulheres casar e ter filhos ainda é um fim em si mesmo. Querer casar porque você "já passou de uma idade" e não porque você conheceu alguém que vale a pena dividir a vida. Ter filhos porque a natureza te deu um útero e não porque é seu desejo construir algo com quem você ama. Respeito mulheres que optam por uma "produção independente". Mas não é o que eu vejo nos círculos que frequento, formados por pessoas de classe média alta, financeiramente independentes e esclarecidas. As mulheres querem se casar porque querem ter filhos e, como o tempo está passando, tem que ser logo. A impressão que me passa é que o parceiro/pai é apenas um acessório. É nessas horas que vemos que o machismo prejudica aos dois sexos. Se eu fosse homem ia querer ser visto como uma pessoa, não como um marido/reprodutor em potencial. O resultado é que todos sofrem.

Durante o fim de semana do casamento eu devo ter ouvido umas 15 vezes a pergunta "E você, quando vai ter um filho?". Acho normal porque são pessoas que são minhas amigas e que possuem intimidade o suficiente pra me perguntar sobre esse tipo de coisa, inclusive porque já falei com elas sobre o assunto e há alguns meses andava considerando seriamente essa possibilidade. Mas depois me ocorreu que não há o mesmo interesse pra saber a quantas anda o meu doutorado, como está o meu trabalho, como anda o meu relacionamento com meu marido. Eu sou casada há quatro anos: ter filho é uma obrigação social e como decidi que por hora não é o que eu quero, isso automaticamente faz de mim uma mulher esquisita. (Se você esperar demais acaba não tendo, dizem).

Lembro que o ano em que fiquei noiva foi o mesmo ano em que entrei no mestrado. Embora estivesse muito feliz, sempre foi um incômodo perceber que a reação de amigos (homens e mulheres) era muito mais eufórica ao saber do meu noivado. Se já tinha marcado a data, escolhido o vestido. Temos um longo caminho a percorrer se como mulheres continuamos valorizando mais esses eventos do que quaisquer outros. O casamento é descrito como o dia mais importante da vida de uma mulher, a maternidade como o momento em que você realmente conhece o amor. E aí como ficam as solteiras? As que optaram por não se casar ou não ter filhos? As lésbicas? As estéreis? Estão condenadas a ter uma vida incompleta e infeliz?

Eu penso em ter filhos, mas se não tiver, tudo bem. Gosto de criança, acho que seria uma mãe muito legal. Não vai ser agora, só porque eu já tenho quatro anos de casada, só porque a minha família quer um bebezinho fofo ou porque eu tenho 32 anos e o tempo está passando. Eu tenho um doutorado pra terminar e eu me recuso a ser uma escrava da biologia. Pior é que quando eu digo isso, sempre tem alguém com conselhos "confortadores" do tipo "mas dá pra conciliar as duas coisas". Dar, dá. Mas quem disse que eu quero? 

Querer dar conta de tudo é uma das armadilhas que criamos pra nós mesmas: o mito da super-mulher. A que trabalha feito uma workaholic, trepa como uma atriz pornô, está sempre impecável como se fosse uma modelo, vai na academia, cozinha como a Nigella, cuida da casa filhos e maridos como se fosse uma dona de casa dos anos 50. Ninguém para pra refletir que ter filhos envolve escolhas e sacrifícios e que para isso você deve estar disposto a abrir mão de muita coisa, principalmente a mulher, que é que carrega e tem um vínculo maior com a criança pequena. E sabem, eu gosto muito da minha vida do jeito que ela está. Eu não sei se estou pronta pra abrir mão da minha liberdade e da minha vida boêmia.

A gente precisa aprender a dizer não.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Meu cabelo também é política


Eu estava na porta da sala conversando com meus alunos e alguém elogiou meu cabelo e os demais no grupo concordaram, disseram que o meu cabelo crespo, cortado num estilo quase black power não só é "muito estiloso", mas é "a minha marca". Um rapaz que estava no grupo me perguntou se eu nunca tinha pensado em alisar. Para a surpresa deles respondi que não só pensei, como passei mais de 10 anos alisando o cabelo com tudo o que havia disponível na indústria dos cosméticos: relaxamentos à base de amônia, escovas progressivas à base dde formol, secador, chapinha e mais uma infinidade de produtos que tenho medo até de lembrar. Manja henê? Aquela bisnaga preta usada para alisar cabelos afro? Já usei também.Isso me fez pensar o longo caminho que levei para aceitar o meu cabelo natural e como, para minha surpresa, passei a gostar dele como nunca havia gostado antes.

 Sou fruto de uma dessas misturas multiétnicas tão comuns no Brasil: mãe "branca" (ascedência portuguesa e espanhola) e pai "preto", filho de libanês com uma cabocla do interior do Amapá. Sou a mais velha de três filhos, um de cada cor: tenho a pele mais escura, enquanto meus irmãos estão mais pra brancos, mesmo assim com diferença de tonalidades. Minha irmã, branquinha como leite, saiu com os cabelos cacheados, meu irmão de cabelo liso como o da mamãe e eu, a pretinha da casa, com um cabelo que não se definia: grosso e ondulado, não fazia cachos nem alisava. Bom, pelo menos era isso que eu pensava antes de aprender a cuidar dele.

Desde pequena eu aceitei que meu cabelo era ruim. Nunca tinha parado para pensar no racismo embutido nessa expressão. Comecei a alisar pensando que era a única maneira de deixa-lo bonito, já que não possuía os belos cachos da minha irmã. Porque é isso que acontece: não somos ensinados a lidar com o que temos, mas com o que gostaríamos de ter. Então não é de se espantar frases como "ser mulher é passar a vida lutando contra o próprio cabelo". Nós queremos o cabelo da atriz global, da capa da revista, da amiga, da mãe, da irmã, da vizinha. E fazemos de tudo para tentar chegar naquele modelo que algumas privilegiadas têm de nascença. Pra mim o cabelo perfeito nessa época era o oriental: negro, liso, brilhante, cheio. Hoje eu continuo achando este cabelo muito bonito, mas aprendi a ver a beleza em outros cabelos e no meu cabelo.

Demorou muito tempo para eu perceber que a ditadura do cabelo liso faz parte de um sistema que institui uma verdade única e uma beleza única. E que nesse sistema - que inclui cinema, televisão, moda e publicidade - as mulheres negras consideradas bonitas possuem sempre alguma característica mais comum em pessoas brancas: narizes pequenos e afilados, olhos claros, cabelos lisos, muitas vezes clareados. Tyra Banks, Naomi Campbell, Rihanna, Beyoncé. No Brasil é muito comum que as poucas atrizes negras de destaque nas novelas apareçam de cabelo alisado, embora essas mulheres (Taís Araújo, Camila Pitanga, Sheron Menezes) optem por usar seus cabelos crespos fora das telas.

A mídia brasileira já dá a impressão de que vivemos na Suécia. Por mais bonitas que sejam Gisele Bundchen ou Grazi Massafera, não dá pra dizer que elas sejam típicas mulheres brasileira, com seus cabelos lisos, loiros, suas pernas longas e  bundinhas minúsculas. Agora imagine, querid@ leitor@, se você é uma menina morena/negra e as poucas pessoas na mídia que se parecem minimamente com você todas ostentam cabelos lisos e esvoaçantes que você não tem. Tudo bem, elas também não, mas você como adolescente, bombardeada pelo discurso de que "o importante é se sentir bem" ou "pra ser bonita tem que sofrer" vai fazer o que? Alisar o cabelo até o fim dos seus dias. Não é que eu não me achasse bonita como era antes. Mas porque eu tinha que encher minha cabeça de química e gastar rios de dinheiro só pra corresponder ao padrão do cabelo "mais bonito"? Por que eu não poderia ser feliz e me achar bonita de outro jeito? Foi só depois que percebi isso que decidi "voltar às raízes".

Felizmente, após os 30 anos eu decidi que já era hora de passar a vida enchendo a minha cabeça de produtos químicos cujos efeitos a longo prazo não são muito claros. Mas admito, foi uma luta. Porque o olhar para a beleza é algo que a gente treina e depois de anos me achando bonita de cabelo alisado eu passei meses para "me conformar" com a minha nova imagem. Honestamente, não pensei que fosse me achar tão bonita quanto de cabelo liso. Pra piorar, as pessoas ao redor não estão dispostas a ajudar. Quando comecei a deixar minha raiz crescer uma meia dúzia de pessoas me deu força (o apoio do meu marido foi fundamental), mas era comum que amigos me perguntarem o que estava acontecendo com meu cabelo e que estranhos me perguntassem por que eu não fazia progressiva. Mais de uma vez pensei em desistir.

Até que um belo conheci um cabeleireiro maravilhoso que me mostrou que eu tinha um cabelo muito bonito, só precisava aprender a cuidar dele. Descobri que tudo o que eu sabia desde a infância sobre pentear, lavar e cortar o cabelo estava errado, que o cabelo crespo requer uma técnica completamente diferente (outra hora eu conto uns desses segredos). Não vou esquecer nunca das palavras dele "Você não conhece o seu cabelo, o seu cabelo é muito bonito". Eu nunca achei que meu cabelo natural pudesse ser bonito. Mas para a minha surpresa, com um corte, produtos e cuidados adequados hoje eu tenho um cabelo sem química que vive recebendo elogios. Todo mundo comenta que ele tem personalidade, que é estiloso. Outro dia uma menina que treina boxe comigo me disse "Seu cabelo é lindo". E sabem, eu fiquei feliz por concordar.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Crítica: Melancolia - O fim do mundo como um grande alívio


Eu tenho uma relação de amor e ódio com Lars Von Trier. Amor, porque acho que ele é um diretor talentoso que faz belos filmes sobre como o ser humano pode ser vil e cruel (vide Dogville e Dançando no Escuro). Gosto dos filmes desses filmes serem centrados em personagens femininas que estão em busca de realizar algo que não é o sonho do amor romântico. Elas estão tentanto sobreviver e fazer as coisas de outro jeito (outro filme que eu gosto dele é Os Idiotas). Como diria o Bukowski, a vida é uma desgraça, a diferença é o modo como você se arrasta em meio à merda. E é aí que começa o meu problema com o Von Trier: pra sobreviver em meio ao caos, as personagens algumas vezes recaem em estereótipos machistas: a mulher que sofre na mão da cidade inteira e pra se vingar chama sua família de gangsters (todos homens) para lhe socorrer ou a mulher que está disposta a sacrificar a própria vida pelo filho (realizando a sua função de estar no mundo na maternidade).

Enfim, é um diretor que me agrada muito em certos aspectos e me deixa de orelha em pé em outros. Se o filme anterior dele, Anticristo, está no topo da minha lista como "o filme mais misógino de todos os tempos", em Melancolia temos um filme arrebatador sobre depressão e essa sensação de mal-estar no mundo.

O filme se passa durante um casamento realizado numa mansão às vésperas de um planeta chamado Melancolia se colidir com a terra. Alguns astrônomos dizem que o temor é infundado e que o fim do mundo não irá acontecer, mas outros advertem à população para se preparar para o pior. Nesse clima tenso temos uma história dividida em duas partes, cada uma contada pela perspectiva de uma irmã. A primeira é centrada em Justine, a noiva, interpretada por Kirsten Dunst. A segunda, por sua irmã mais velha, Claire.

Não vou mentir pra vocês. A primeira parte do filme é muito, muito chata. Inspirada lá nos tempos do Dogma 95, temos aquela câmera tremida que não pára em lugar nenhum, diálogos sem sentido, como se alguém chegasse filmando o meio de uma conversa com uma câmera de mão numa festa e pegasse um momento bem tenso. A ideia é essa mesma. Impossível não lembrar de Festa de Família, de Thomas Vinterberg, aliás. Mas há um sentido, claro, para que essa parte do filme seja assim. Repare na noiva. Como ela está feliz no carro, mesmo atrasa para a festa. Repare no seu vestido, no seu cabelo. Agora veja como ela vai se decompondo visualmente e psiquicamente ao longo dessa primeira parte. Ela é linda, rica, ela tem um noivo lindo e apaixonado. Ela é boa no seu emprego. E ainda assim ela tem vontade de morrer. Se você já passou por uma depressão séria em algum período da sua vida não há como não se reconhecer. O tempo dessa parte do filme passa muito lentamente porque é assim que é percebido por uma pessoa depressiva. Algo que não acaba nunca. As pessoas ao redor, as risadas, a vida. Tudo deveria estar bem, mas você só tem vontade de desaparecer. Ou fazer algo que estrague tudo para que você possa sentir que ainda está no comando, que ainda está vivo.




O casamento é a última tentativa de Justine se adaptar a uma vida normal. Nós vemos na cara dela: eu posso fazer isso, posso ser uma esposa, posso festejar com minha família disfuncional, posso ter um emprego que odeio e conviver com pessoas que desprezo. Ninguém percebe o seu desespero. Ninguém percebe que esta é a sua última tentativa. Por isso o fim do mundo pode ser um grande alívio. Não apenas o fim da vida: o fim de tudo. É disso que se trata.

A segunda parte, que flui muito melhor, é centrada na irmã mais velha, Claire, interpretada por Charlotte Gainsbourg - que pra mim faz sempre papel dela mesma e faz sempre a mesma cara, mas por algum motivo há quem ache ela uma  boa atriz. Essa parte do filme propositalmente é mais ágil e tem mais sentido. Aqui vemos a vida de uma pessoa prática, que tem uma boa vida. Uma mãe que parece estar realizada na maternidade, que tem um casamento estável - o fato de ser milionária deve ajudar bastante também. Claire tem tudo a perder, ao passo que Justine, não. Então ela tenta se confortar com a fé cega de seu marido na ciência de que a passagem do planeta será apenas próxima da terra, não haverá colisão.

Pra mim essa é a grande sacada do VT nessa parte do filme: a fé cega não é em Deus, é na ciência. Sobre isso o marido, interpretado por Kiefer Sutterland (WTF?!) diz a melhor frase do filme: "Melancolia passará sobre nós e não causará nenhum impacto". No fundo, essa é a esperança de todos nós.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Como é que é?

Governo recua em projeto que multa empresa que paga salário menor a mulher

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GABRIELA GUERREIRO
DE BRASÍLIA 


O governo desistiu de sancionar o projeto que equipara os salários de homens e mulheres que ocupam as mesmas funções em uma empresa.
Agora o texto vai ser rediscutido no Senado depois de ter sido aprovado pelos senadores esta semana. O líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), apresentou recurso para que o texto volte a tramitar na Casa.
O regimento interno do Senado prevê que, se um projeto é aprovado em caráter terminativo em uma comissão, segue direto para análise da Câmara ou para sanção presidencial se não houver recurso assinado por pelo menos oito senadores (10% do total de parlamentares).
Jucá teve o apoio de nove senadores no recurso, o que vai fazer com que o texto volte para análise da Comissão de Assuntos Econômicos da Casa.
A proposta, que havia sido aprovada em caráter terminativo pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, prevê que a empresa que pagar salário inferior às funcionárias pague a elas uma compensação de cinco vezes a diferença de remuneração pelo período em que trabalhou.
Atualmente, o empregador que pagar salário menor do que o do homem para uma mulher na mesma função pode ter de pagar ao Estado multa que varia de R$ 80,51 a R$ 805,09, segundo a CLT.
O líder do governo foi procurado por empresários que o convenceram de que a equiparação dos salários seria facilmente questionada na Justiça, provocando uma enxurrada de ações.
"A gente quer que a comissão amarre melhor o texto para não dar margem a processos", afirmou Jucá.
Para advogados, caberá às mulheres que fizerem a queixa comprovar a discriminação por gênero, algo que, segundo eles, não será fácil de fazer diante dos outros elementos que podem justificar a diferença.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) chegou a anunciar que a presidente Dilma Rousseff sancionaria o projeto na próxima terça-feira, em meio à comemoração do Dia Internacional da Mulher. Mas o governo recuou para reescrever o texto antes de aprová-lo em definitivo no Congresso.
NÚMEROS
O salário das mulheres no Brasil é 28% menor do que dos homens, de acordo com levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2011, elas receberam em média R$ 1.343,81 enquanto eles ganharam R$ 1.857,63.
Dados da pesquisa de emprego do instituto mostram que a carga horário do sexo feminino também é, em média, menor do que a do masculino. As mulheres trabalharam 39,2 horas, na média, no ano passado ante as 43,4 horas do homem.
As informações foram compiladas pelo IBGE em homenagem ao Dia da Mulher.
Estudo do Banco Mundial apresentado na Câmara também indicava a diferença. De acordo com a entidade, para cada US$ 1 recebido por trabalhadores homens, US$ 0,73 é pago a mulheres na mesma função.

Fonte: Folha.com

Depois de voltar atrás na Lei da Palmada, o governo também voltou atrás na lei da igualdade salarial. Oi, Senador Romero, era isso que a gente queria de Dia das Mulheres, não florzinha e bombom, viu?

quinta-feira, 8 de março de 2012

Somos todos feministas - até você que acha que não*

 
Somos todos feministas. Mesmo que você aí, que também é mulher, ache que feministas são mal-amadas que queriam ser homens. Ou que prefira mesmo que os homens paguem a conta, que abram a porta do carro e te puxem a cadeira no restaurante. Mesmo você aí que é homem e acha que tudo bem ter um dia internacional da mulher, se os outros 364 são de vocês. Mesmo você que é muito moderno, mas que não lava nem a sua cueca.

Porque você aí que está louca pra se casar e ter três filhos, graças ao feminismo, vai escolher o seu marido e poder tomar pílula, pra não ter doze criancinhas ao invés de três. E você nem precisa renunciar ao seu nome de família se não quiser. A lei te permite ser casada e manter seu nome. Ou que seu marido adote o seu. E se não der certo, a sociedade não vai estampar na sua cara um rótulo de vagabunda porque você se separou. Você começa tudo de novo, porque você tem um emprego e não depende do sustento de seu marido ou do seu pai. E se deus o livre um dia um safado cometer alguma violência contra você, você pode ir a uma delegacia que trata especificamente esse tipo de crime. E se você pode dirigir, pode usar a roupa que quiser, estudar, votar, ir ao bar com suas amigas, dormir com seu namorado antes de casar (e sem ter que casar porque dormiu) e tantas outras coisas que mesmo quem é muito metida a tradicional não dispensaria fácil, saiba que se não fossem as feministas muitas dessas coisas demorariam a acontecer. Se é que aconteceriam.



E você aí que é homem e a essa altura pode estar pensando que muitas “conquistas” femininas na verdade favoreceram o homem, eu sinto dizer que você está se enganando. Porque se você acha bom que a mulher divida a conta no jantar, isso quer dizer que ela também escolhe o que vão comer. Se você acha que é ótimo dormir com alguém sem ter que casar, namorar, você sabe que corre o risco de também ser visto como um mero pedaço de carne. Se você quer muito ter um filho pra chamar de Júnior é bom saber se mulher que você escolheu quer ser uma feliz mamãe de uma penca de filhinhos. Porque ela também trabalha, porque ela também está preocupada com a carreira e pode ter outras prioridades que te assustem. E por fim, se você acha que tudo isso vale pras outras menos pra sua mãe, porque afinal, a gente tende a achar que mãe não é mulher, saiba que um belo dia ela pode acordar cansada da vida de rainha do lar e ir a luta. E aí ela vai dizer que até lava a sua roupinha, mas que você comece a arrumar suas coisas e ajudar em casa.  A minha mãe fez isso, não pense que não acontece. Mas não fique triste. Porque quando você não tem mais de ser o provedor da casa, nem o homem forte que não chora nunca. Porque provavelmente a mulher que você encontrar vai querer ser sua companheira e construir uma vida com você.
  

Eu sei, você que também é feminista como eu, deve estar achando que eu pirei. Que as mulheres continuam sendo espancadas, rotuladas como piranhas ou mal-amadas, continuam ganhando menos, continuam cumprindo a dupla-jornada, que ainda guiam suas vidas por valores questionáveis, que muitas ainda julgam umas às outras e perpetuam o machismo. É verdade. É por isso que a gente tem que lutar todos os dias. O feminismo já conseguiu muita coisa, mas temos que diariamente combater nossos próprios preconceitos. Os nossos e os de quem está à nossa volta.

Isso quer dizer que além de palavras de ordem, temos que chamar nossos pais, irmãos, namorados, maridos, amigos do sexo masculino, pras tarefas domésticas. Não pra “eles verem o que é bom”, mas porque é justo que todos ajudem. Lutar diariamente contra o machismo é evitar dizer que “se tal coisa já é feia em homem, em mulher é pior”. Ou que é a mulher que se preocupa com a casa e com a família, que temos “mais jeito” pra essas coisas. Nós não somos seres superiores e nem tampouco os homens são seres que precisam que sejamos sempre mães deles. Nós temos que lutar pela igualdade. De direitos, de tratamento e de convivência social. Sempre. Todos os dias do ano, todos os dias da vida.

*Originalmente publicado em 08/03/2006 no falecido blog Oficina Irritada 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Dois motivos para comemorar

Na semana em que comemora-se o Dia Internacional da Mulher, as brasileiras ganham dois motivos para comemorar: a aprovação da lei que pune as empresas que pagarem salários menores às funcionárias contratadas para executar a mesma função que homens e eleição da primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O primeiro representa um avanço na luta por uma antiga demanda feminista: a igualdade salarial entre gêneros. A segunda chama atenção para a pouca representatividade feminina no sistema político partidário.

O texto aprovado ontem prevê que o empregador que remunerar de maneira discriminatória o trabalho da mulher terá que pagar multa correspondente a cinco vezes a diferença sobre os vencimentos oferecidos aos homens durante todo o período da contratação. O projeto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH), pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Sociais do Senado (CAS).

Embora a Constituição e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já proíbam a diferença salarial entre homens e mulheres, prática até agora era bastante comum em diversas empresas do país. Espera-se agora que a proposta não se transforme em letra morta e com a ameaça de punição as empresas passem a aplicá-la (até porque é essa a língua que os empresários costumam entender melhor: a do bolso). Infelizmente, as diferenças salariais entre gêneros não se restringem ao Brasil. Há três anos o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assinou uma lei semelhante em seu País.

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia Antunes da Rocha foi eleita  substituirá o ministro Ricardo Lewandowski no mais alto posto da Justiça Eleitoral do País por seis votos a um e já terá como principal desafio coordenar as eleições municipais de outubro. A ministra teve uma atuação importante em defesa da Lei Maria da Penha e na Lei da Ficha Limpa.

Em seu primeiro discurso depois de eleita, a ministra lembrou os 80 anos do voto feminino no Brasil e que hoje as mulhures correspondem a 52% do eleitorado nacional. Apesar disso, ainda existe pouca representação feminina em cargos públicos. A posse da ministra deve ocorrer no próximo mês.

terça-feira, 6 de março de 2012

Feijoada Vegana

Atendendo a pedidos, depois do enorme sucesso do prato servido no meu aniversário, compartilho com vocês minha receita de feijoada vegana (que diferente da vegetaria, não leva nenhum produto de origem animal). Embora eu não seja vegetariana/vegana, sou uma grande admiradora e simpatizante dessa culinária que é também uma postura política, além de ser saudável e deliciosa.

A receita abaixo serve bem umas 20 pessoas e deve custar no máximo uns 20 reais em ingredientes (ou seja: R$ 1 por pessoa!). Acho que levei umas três horas preparando tudo, mas se tiver mais de um pra picar os ingredientes o tempo deve cair bastante.

O que você vai precisar:
1 kg de feijão preto
1 lata de salsicha de soja
1/2 kg de tofu seco ou defumado
1 abóbora pequena
1 batata doce grande
2 cebolas picadas
2 sachês de caldo de legumes
1/2 côco maduro em pedaços
alho e temperos diversos à vontade
Uma panela bem grande

Coloque o feijão de molho na noite anterior. Lave bem e escorra a água que tiver soltado durante a noite. Cozinhe durante 20 minutos na pressão com uns quatro dedos de água cobrindo o feijão (se você só tiver uma panela de pressão normal, eu aconselho cozinhar em duas levas). Coloque numa panela maior e junte a salsicha e o tofu picados, a abóbora e a batata doce. Se o feijão ainda estiver meio durinho, não se preocupe porque ele vai continuar cozinhando até a batata e a abóbora amolecerem. Quando estiverem moles, junte o côco picado. 

Numa panela separada frite a cebola picada no óleo de sua preferência (soja, milho, canola, oliva). Junte o alho picado (no dia que eu fiz a minha feijuca não tinha) e outros temperos que você gostar, como cominho ou pimenta do reino. Junte um copo de água, deixe ferver um pouco e junte à feijoada. Acrescente os envelopes de caldo de legumes e prove se está bom de sal (não esqueça que os caldos já são salgados). Se necessitar, acrescente um pouco mais de sal. Deixe cozinhar mais uns 10 minutos e apague o fogo. O ideal é esperar uns 10 minutos antes de servir porque assim pega mais o tempero.

Para acompanhar essa quantidade de feijoada usei 2 copos grandes de arroz integral, 2 maços de couve e um quilo de farofa.

Se alguém aí testar, me avise se ficou boa. Mas podem ir com fé que é sucesso!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A Internet ajuda, sim

De volta depois de algumas semanas de descanso. Estou correndo por aqui, mas deixo o link de um texto sobre luta contra a homofobia que merece ser compartilhado. É a história de uma rapaz gay de 18 anos que postou um desabafo no Facebook sobre as agressões homofóbicas que vinha sofrendo de sua família. Além de muitos comentários solidários, o rapaz recebeu ajuda de uma ong contra a homofobia. Ele agora está fora de casa e longe de seus agressores. O caso foi denunciado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e está sendo acompanhado pelo Conselho Nacional LGBT.

Leia a notícia completa aqui.

 Ultimamente vejo muita gente tirando sarro do ativismo online. Ironizam que há muitos indignados no Facebook. Pode até ser. Mas creio que esse raciocínio é próximo daquele que critica pessoas que defendem os animais, afirmando que há muita gente passando necessidade, mas não fazem nada nem pelas pessoas nem pelos animais. Do mesmo modo, quem ironiza o ativismo online não costuma ter nenhuma atuação fora da rede. Esse caso mostra que a denúncia e a mobilização via Internet pode ajudar, sim, e que temos mais é que aproveitar todos os meios que tivermos - dentro e fora da web.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Crítica: Millennium - Os homens que não amavam as mulheres


Sinopse: Mikael Blomkvist (Daniel Craig) é um jornalista econômico determinado a restaurar sua honra, depois de ser condenado na justiça por difamação. Contratado por um dos industriais mais ricos da Suécia, Henrik Vanger (Christopher Plummer), para investigar o desaparecimento de sua sobrinha Harriet (Moa Garpendal), há 36 anos, ele se muda para uma ilha remota na costa gelada da Suécia sem saber o que o aguarda. Ao mesmo tempo, Lisbeth Salander (Rooney Mara), hacker da Milton Security, é contratada para levantar a ficha e os antecedentes de Blomkvist, missão que será o ponto de partida para que ela se una a Mikael na investigação de quem matou Harriet. (Fonte: Cineclick)
 
Confesso que não levava muita fé nesse filme. Pelo trailler que passava na MTV (oi?) e pelos outdoors no metrô anunciando o best-seller internacional (que geralmente livros fraquinhos, como a saga Crepúsculo ou Marley e Eu). Por isso, foi uma feliz surpresa me deparar com um filme tão bom. Suspense de primeira, bela fotografia, personagens bem construídos, trama bem amarrada e uma bela edição. Mas não vou ficar comentando aspectos técnicos porque isso pode ser facilmente encontrado em qualquer site de cinema escrito por gente que manja muito mais do assunto do que eu. Vamos  a que interessa: a misogia onipresente retratada no filme.

O filme é o primeiro de uma trilogia baseada na série Millennium do escritor sueco Stieg Larsson. Em Portugal o título é Os Homens que Odeiam Mulheres, muito mais apropriado do que o eufemístico título dado no Brasil. Não amar não quer dizer odiar.  É isso que o filme traz: uma grande discussão sobre misoginia e violência contra a mulher que atravessa as sociedades ocidentais. Lá estão presentes o abuso de poder que acaba se transformando em estupro, um sem-número de mulheres anônimas mortas e violentadas ao longo dos anos e os abusos que ocorrem silenciosamente dentro dos lares de famílias das mais variadas classes sociais. Tudo isso mostrado de maneira forte, algumas vezes bem chocante.

 Cartaz da versão sueca. Vou correr pra baixar e você?


Há uma cena de estupro horrível - e nessa hora eu fiquei aliviada de não estar no cinema e poder acelerar a imagem, porque esse é o tipo de coisa que eu não gosto de ver. Ressalto a palavra "horrível" porque mesmo estupro sendo um ato repugnante, há diretores que conseguem transformar cenas de violência sexual em algo meio pornô. Não é o que acontece aqui. Ponto para o diretor.

Contudo, o mal-estar provocado pela película vai além das cenas violentas, que nem são tantas assim (outro ponto positivo: não descambar pra apelação). O que nos deixa perplexos é como esses agressores se portam em relação às suas vítimas. Há uma completa negação do outro. Eles não são os monstros que estamos acostumados a imaginar quando pensamos em estupradores. São homens lúcidos, bem inseridos na sociedade, com seus trabalhos, alguns casados e pais de família. Eles não violentam porque são doentes ou psicopatas. Eles simplesmente não reconhecem nas mulheres seres autônomos, donas de seus corpos e seus desejos. Eles não sentem remorso não porque são desprovidos de sentimentos, mas porque não acreditam que estão fazendo algo errado. As mensagens bíblicas à la Velho Testamento de que a mulher foi criada para servir ao homem aqui são levadas às últimas consequências - lembrando o quanto o cristianismo contribuiu para a formação de uma mentalidade que atribui às mulheres a fonte de todos os males e que levado ao limite culminou no genocídio de mulheres queimadas como bruxas na Idade Média pela Santa Inquisição.


Por último, destaque para a dupla de detetives formado pelo pelo atual James Bond, o delícia-delícia-assim-você-me-mata Daniel Craig e pela (até agora) desconhecida Rooney Mara. Ele é o contraponto digno aos vários misóginos convictos que desfilam pela tela ao longo da trama: um homem que ama - e respeita muito - as mulheres. Em nenhum momento ele incorpora o estereótipo do canastra sedutor, mesmo nas cenas em que aparece seminu - algo muito raro numa produção hollywoodiana, ainda mais se tratando de um ator hot até para inverno sueco. Mas o ponto alto mesmo é a hacker, Lisbeth. Nada nela é gratuito ou forçado. Nem o visual punk, nem as cenas de nudez, nem a personalidade misteriosa. Inteligente, forte e corajosa, ela é a chave para desvendar os mistérios da trama e não uma mera coadjuvante. Ela é a perfeita anti-heroína: recusa-se a aceitar o papel de vítima ou a ter uma postura passiva diante da vida, mostrando muito bem que uma garota pode - e deve - se defender e cuidar de si mesma.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Um estilista que odeia mulheres com curvas. Que novidade!

Esta semana o estilista da marca Chanel, Karl Lagerfeld, perdeu uma boa oportunidade de ficar calado ao declarar que apesar de ser boa cantora, a diva do momento Adele, seria "meio gorda demais". Apesar de reconhecer a bela voz de Adele, aparentemente cantar bem não é o bastante... para uma cantora.

- Ui, cantora tem que ser magra!

 A gente já sabe faz tempo que os estilistas não são fãs de mulheres com curvas, muito menos das gordinhas. Foram eles que inventaram aquela conversinha mole de que modelos devem ser tábuas "pra mostrar melhor a roupa". O que não faz nenhum sentido, porque se é pra mostrar a roupa não é melhor colocar logo numa mulher que tenha corpo? Na verdade o estilista acabou reproduzindo um velho preconceito machista: não importa o quanto uma mulher é boa no que faz, ela sempre precisa ser bonita antes de tudo. E não que Adele não seja linda, mas para o padrão dominante bonita é ser jovem, branca e magra.

Adele, como diva que é, não perdeu a pose e deu o troco na maior classe em uma entrevista para a revista People: "Eu represento a maioria das mulheres do mundo e tenho muito orgulho disso. Eu nunca quis parecer as modelos das capas de revista", declarou.



- Sou mais eu, Lagerfeld. Rá!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Publicidade ofensiva em propaganda de cerveja. Ah, cê jura?



Mulher seminua em propaganda de cerveja não é exatamente novidade. Mas essa daí conseguiu de uma tacada só ser muito racista e muito sexista. Eu nunca havia pensado muito sobre isso até começar a dar aula para o curso de publicidade. E uma vez que você começa a ver, não dá pra des-ver. Se você procurar do YouTube vai aparecer um monte e não é só brasileira, não. No Brasil pelo menos os publicitários têm uma desculpa para associar cerveja com mulheres de bíquini (ainda que todo mundo saiba que mulher que toma cerveja - e nós somos muitas - não tem exatamente o corpo das que aparecem na propaganda): verão. Não dá pra negar que cerveja combina com praia e calor. Nos outros países eu queria saber qual a desculpa... Não dá pra ter praia? Ok, vamos ficar só com a misoginia mesmo.

Heineken - Mulher Parindo Cerveja
Esse aqui não dá nem pra comentar. Só me resta perguntar: que merda é essa, Heineken?

Eu me pergunto: será essa categoria profissional é tão preguiçosa que não consegue pensar em outra coisa? Será que não dá pra fazer propaganda de cerveja sem perpetuar sem sexismo ou sem perpetuar estereótipo de gênero ridículos como esses aqui.


Nova Schin - Cervejão
Sério mesmo, publicitários do meu Brasil, que vocês não conseguiram pensar nada diferente de "homem gosta de futebol/mulher gosta de shopping"? Sério mesmo que vocês ainda não sabem que mulheres podem ter seus próprios cartões de crédito?


Eu já pensei em boicotar marcar que fizesse publicidade machista, mas aí vi que queria que parar de tomar cerveja. Então não dá pra fazer propaganda de cerveja sem exposição de mulheres nuas? Claro que dá! Dá uma olha nesses aqui, ó:

Bavária Premium - Teorias
Esse aqui deu início a uma série bem divertida. E me convenceu a experimentar a cerveja.

Skol - Roqueiros
Um dos meus preferidos de todos os tempos.

Fica a dica, viu, pessoal da Devassa!


E você. tem algum comercial de cerveja preferido?

Covardia é não lutar pelo que se acredita

A nova ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), Eleonora Menicucci já estreará no cargo voltando atrás numa questão importantíssima para a saúde da mulher: a legalização do aborto. Apesar de ser declaradamente a favor e de reconhecer a importância de sua regularização por se tratar de uma questão de saúde pública, a ministra preferiu tirar o corpo fora da discussão limitando-se a dizer que o governo tem um projeto no Congresso Nacional e que "esse projeto só andará no Congresso se assim os parlamentares quiserem e entenderem a importância dele. Neste momento, nós do Executivo não temos muito o que fazer".

Pra quem não se lembra, a presidente Dilma Rousseff se comprometeu durante a campanha a não capitanear mudanças na legislação relativa ao aborto para não arrumar encrenca com a bancada - e principalmente - com eleitorado evangélico (uma estratégia semelhante à adotada no ano passado, quando a presidente voltou atrás com relação à distribuição do kit anti-homofobia nas escolas públicas em troca do apoio da bancada crente para abafar uma CPI contra Palocci).

Todo mundo que já leu meia dúzia de páginas de O Príncipe sabe que é assim que a política funciona: pra se manter no governo as pessoas fazem de tudo, seja virar melhor amigo de antigos inimigos mortais ou praticar ações que são exatamente o contrário de suas promessas de campanha. Mas eu me pergunto aqui, com a ingenuidade que me resta, sobre qual o propósito de haver uma Secretaria de Política para Mulheres se a ministra e a presidente já se comprometeram de antemão a não lutar por uma das mais importantes bandeiras relativas à saúde da mulher.

As campanhas anti-aborto sempre dizem que o abortamento é um ato de covardia contra um feto indefeso. E fechar os olhos para a milhares de mulheres que morrem todos os anos vítimas de abortos clandestinos feitos em condições precárias é o que, hein?

Ser bonita é ser amiga dos animais

Em geral não costumamos pensar muito sobre a origem das coisas que consumimos nem no impacto que a produção de certos itens podem causar no meio-ambiente e na sociedade. Isso vai desde as origens da nossa comida às joias que o cinema nos ensinou que serem nossos melhores amigos (interessante que a grande mídia de direita insiste que quem fuma maconha financia o tráfico e não fala nada sobre as joalherias que financiam a violência em Serra Leoa e outros países africanos).

Essa listinha divulgada por entidades de defesa dos animais é uma ajuda para esse consumo mais consciente, pois traz as marcas de empresas de cosméticos que não testam seus produtos em animais. Eu tenho as minhas críticas a essa moda de sustentabilidade porque pra mim isso é estratégia de mercado pra pegar trouxas. Mas sejamos realistas: eu sou vaidosa e pretendo continuar usando maquiagens e cremes em geral. Então prefiro saber que diversos bichos não perderam a visão só pra que eu pudesse ter um rímel maravilhoso.

O bacana é que entre as marcas nacionais há várias bem populares, como Amend (boa marca de produtos para cabelos crespos), Contém 1g, O Boticário, Ox e Natura e outras bem baratinhas como a Vult, Max Love e Impala. Ou seja, não é necessário gastar todas as moedas do porquinho pra comprar "produtos ecologicamente corretos", porque a gente sabe que isso é malandragem do mercado pra aumentar o preço das coisas. Essa lista é bacana porque além da palavra das empresas (que pra mim não costuma valer muita coisa) a metodologia inclui visitas às fábricas para conhecer os metódos de produção. Achei digno.

Para ler a lista completa clique aqui.

Outro blog, FM, cê jura?

É, outro blog. Pelas minhas contas esse deve ser o quarto ou quinto desde que encerrei a saudosa Oficina Irritada. Não sei muito bem por que isso aconteceu, provavelmente excesso de terapia, mas aquele tipo de blog confessional hoje em dia não é mais o que eu quero fazer. Contudo, sempre senti falta de escrever e faz algum tempo que andava pensando em dar forma a este projeto: um blog que falasse sobre questões relativas às mulheres.

Revistas, suplementos de jornal e sites dedicados ao público feminino sempre me pareceram babacas, em maior ou menor grau. Que tipo de mulher os editores da Nova imaginam que existe? Além de serem dedicados a pessoas que não existem e trazerem sempre as mesmas matérias, a impressão que essas publicações passam é que todas as mulheres do mundo são umas consumistas fúteis preocupadas apenas com a aparência e em arrumar marido (e depois de casadas, em segurar o marido) e ter filhos. As poucas publicações que trazem algo a mais - TPM, Marie Claire, Lola, não conseguem escapar do aspecto consumista - você precisa gastar, gastar, gastar pra ser culta, comer bem ou, em última análise, ser feliz. Sério, não precisa nem ter uma vagina para saber que ser mulher é muito mais complexo e bonito que isso.

De outro lado temos vários blogs feministas, dos quais o meu preferido é o da Lola, que trata de muitas questões superimportantes, como machismo, misoginia, violência, aceitação do corpo, preconceito... Os textos são muito bem escritos e gostosos de ler e desde que eu o conheci quis fazer algo parecido e que tivesse a minha cara.

Foi então que eu comecei a conceber este projeto: um lugar onde eu pudesse reunir e comentar informações que me interessam e interessam à outras mulheres normais. Falar de beleza para mulheres que são vaidosas, mas que não são umas loucas obcecadas por cirurgia plástica ou qualquer coisa que vá acabar consumir metade de nossos salários, porque pra começar nós nem ganhamos tão bem assim. Falar de relacionamentos sem idealizações, de saúde sem paranoia, de cultura e lazer sem reduzir isso a consumo, de vida doméstica sem clichês babacas do tipo "rainha do lar" e, por fim, de política e feminismo porque isso faz parte de nossas vidas e não são coisas datadas nem de gente chata.

E é isso. Sejam bem-vind@s. De novo.